“São lugares pobres, que não dão lucro às empresas de saneamento, sejam estatais ou privadas. Por isso, é importante incentivar esses investimentos, integrando soluções comunitárias para áreas rurais”, defendeu Gesmar Rosa dos Santos, pesquisador do Ipea e um dos autores do estudo.
Segundo a secretária estadual de Infraestrutura e Recursos Hídricos, Fernandha Batista, Pernambuco intensificou os investimentos em saneamento nos últimos dez anos, mas ainda enfrenta “desafios exorbitantes”. “Em muitas cidades, os espaços cresceram e a infraestrutura não acompanhou o ritmo. Com a urbanização nos anos 1960 e 70, zonas rurais ficaram para trás”, explicou à Alepe em junho.
Vice-líder do Governo na Assembleia, o deputado Tony Gel (MDB) destacou outra dificuldade: a escassez hídrica. “Para fazer tratamento de água, é necessário antes ter esse recurso”, pontuou. “Isso pode melhorar com a Adutora do Agreste, que vai trazer água do Rio São Francisco. Mas precisamos discutir como será custeada a manutenção dessa estrutura”, complementou o parlamentar.
Um novo marco legal
Apesar de urgente, fazer o saneamento básico chegar a todos e todas é complexo para a gestão pública: exige recursos, planejamento e coordenação entre as esferas federal, estadual e municipal. Além disso, o setor demorou a ser prioridade no Brasil. Apenas no final dos anos 1960, começou a ser estruturado um sistema nacional, utilizando recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).
Em 2007, foi sancionada a Lei do Saneamento, com a meta de universalizar os serviços até 2033. O novo arcabouço jurídico dobrou a média anual de investimentos na área, passando de R$ 4 bilhões anuais, entre 1998 e 2007, para R$ 9 bilhões entre 2007 e 2014. Os números são de um estudo feito em 2016 pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). O valor, porém, ainda estava muito aquém do necessário para o objetivo da norma, estimado em R$ 15 bilhões por ano.
A tentativa mais recente de acelerar a expansão do saneamento em nível nacional foi com a aprovação do Novo Marco Regulatório, em 2019. A iniciativa estimula os municípios a formar blocos regionais e cria condições para o capital privado obter mais espaço na prestação dos serviços.
Os consórcios municipais solucionariam uma das principais barreiras encontradas pelas cidades menores: obter verbas para as obras de grande porte exigidas. Um dos financiadores desses contratos é o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que vem cobrando protagonismo dos entes federativos no sentido de regionalizar esses serviços.
“Como a água é um bem essencial, com pagamento certo, há um grande interesse de empresas privadas em entrar no setor, com recursos do mercado financeiro, inclusive. Pode ser muito lucrativo”, observou Gesmar Santos. Entretanto, o pesquisador do Ipea faz uma ressalva: “É preciso também pensar no custeio via tarifas, as quais não devem subir, principalmente para a população mais pobre”.
Conforme a legislação em vigor, os Estados tinham até julho de 2021 para criar os blocos de municípios. Caso contrário, o próprio Governo Federal faria essa definição. Em Pernambuco, uma primeira proposta nesse sentido foi aprovada pela Alepe em 2020, prevendo 11 grupos.
Essa divisão, no entanto, foi refeita no primeiro semestre deste ano, por meio da Lei Complementar nº 455/2021, que estabeleceu apenas duas regiões. “Com esse modelo, tentamos garantir o subsídio cruzado, para que cidades mais ricas financiem as mais pobres”, explicou a secretária Fernandha Batista.
Para o líder da Oposição na Alepe, deputado Antonio Coelho (DEM), as adaptações “representam o contra-ataque das corporações estatais às novidades do Marco Legal”. Segundo ele, a regionalização teria o objetivo de “impedir um programa de parceria público-privada (PPP) em Petrolina”. “Deu-se mais poder ao Estado que aos municípios, o que vai contra o espírito da lei federal. Vamos ingressar entrar com ações judiciais para manter a autonomia municipal na questão”, avisou.
O parlamentar sugeriu uma alternativa ao subsídio cruzado: privatizar a Compesa e exigir que parte do valor pago nos leilões seja usada para custear as tarifas da população mais pobre. “As estatais já não investem nessas áreas. Se não é viável para a Compesa, pode ser para empresas privadas, com a forma correta”, considerou. “Já ficou claro que as companhias estaduais de saneamento não têm capacidade de investimento para atender aos anseios da população desassistida.”
A gestão estadual informou que a redução da quantidade de regiões de saneamento contempla as mudanças feitas pelo Governo Federal ao regulamentar o Marco. “Em 2020, levamos em conta apenas o compartilhamento da infraestrutura hídrica. Mas decretos posteriores incluíram a necessidade de viabilidade técnica e econômica dos blocos”, justificou Fernandha Batista. Ela ainda declarou que o Estado buscará parcerias com a iniciativa privada para atender às normas.
Tony Gel, por sua vez, defendeu “o trabalho competente da Compesa”. “Precisamos da segurança de ter uma empresa com a expertise da nossa estatal”, acredita. “O Governo preocupou-se em usar essa experiência para que os municípios mais vulneráveis e deficitários não fiquem para trás. Essa questão deve ser bem balanceada, até porque o capital privado não faz filantropia, visa ao lucro.”
Gesmar Rosa dos Santos crê que os parlamentos estaduais devem assumir um papel de maior destaque na discussão. Uma medida importante, segundo ele, é o estabelecimento de tarifas sociais de água. “O Poder Legislativo deve definir as regras por meio de lei, assim como orientar outros aspectos da regulamentação, com controle social e participação cidadã”, argumentou.
A Constituição de Pernambuco prevê, no Artigo 149, que se determine em lei estadual uma “tarifa mínima para os serviços de energia elétrica, água e saneamento” para residências de baixa renda. Contudo, o modelo vigente foi instituído por resolução da Compesa em 2003.
O pesquisador do Ipea aponta o Estado do Ceará como referência em gestão no setor: “Lá, há reuniões e eventos anuais de diálogo com a sociedade a fim de se indicar a prioridade de usos, conforme a disponibilidade hídrica existente”.
Santos ainda salientou a importância de iniciativas comunitárias, principalmente nas zonas rurais, com tecnologias e alternativas locais. “Por exemplo, pequenos sistemas de saneamento com painéis solares nas residências, que captam água e a disponibilizam com menor custo. Isso pode ser feito em parceria com universidades e institutos de pesquisa”, sugeriu. “O custo da energia elétrica é um dos problemas.”
Antonio Coelho quer que a Alepe vá além. Para o democrata, o Legislativo deveria ter o poder de autorizar todo e qualquer reajuste de tarifas por parte da Compesa. “Hoje essa competência é da Agência Reguladora de Pernambuco (Arpe). Considero excessivo que apenas uma canetada de burocratas permita um aumento com tanto impacto para a população”, assinalou.
Por outro lado, Tony Gel pede cautela para “não engessar a Compesa”. “Não há como o Parlamento verificar as planilhas de custos da empresa. Devemos fiscalizar e buscar garantir tarifas sociais para as pessoas de baixo poder aquisitivo, mas também que não sejam exorbitantes para quem pode pagar”, frisou. “Essa questão deve ser bem regulada, até para o caso de o cenário mudar, ou até mesmo, a Compesa ser privatizada.”